Relato Audax Caminhada 75 km e antes...
Em 2008 estava muito insatisfeito com a organização dos Brevets Randonneurs Mundiais(BRM) no Brasil. Me refiro aos brevets de ciclismo que eram chamados apenas de Audax, mas organizados conforme o regulamento BRM do Clube Audax Paris ( ACP). Então decidi para 2009 trazer para o Brasil os verdadeiros brevets Audax organizados pela União dos Audax Franceses. Ainda em 2008 traduzi o regulamento Audax Ciclismo, entrei em contato com a UAF e consegui colocar os brevets no calendário. No mesmo ano descobri e decidi ser um Randonneur 5000, titulo nunca conquistado por um brasileiro, mas para o qual eu precisava realizar uma série de brevets e provas, muitas destas nunca realizadas no Brasil. O solução seria organizar estes eventos e ao mesmo tempo pedalar para obter as homologações. O titulo de Randonneur 5000 é oferecido pela ACP e a conquista deste titulo atrasou a realização de mais eventos da UAF aqui no Brasil. Na época tentei conseguir algum organizador para os brevets Audax Caminhada, mas sem sucesso.
Em 2009 pedalei muitos brevets, fiquei 25 finais de semana envolvidos com organização, ou participando de eventos e fora de casa, mesmo quando estava em casa estava trabalhando para o próximo evento. Neste ano organizei os primeiros brevets Audax Ciclismo de 100 e 200 km e também tivemos brevets em Santa Maria.
Para ler mais sobre os brevets Audax de ciclismo:
http://audaxbresil.blogspot.com/2010/12/audax-bresil-resumo-dois-primeiros-anos.html
Em 2009 falei para a minha mulher: “um dia iremos fazer um Audax juntos”. Ela respondeu: “capaz, eu não gosto de pedalar”. Eu respondi: “será um Audax Caminhada”. O meu objetivo também era, e continua sendo, o de aprender, testar novas opções, sem ficar limitado ao que já conhecia.
Em 2010 novamente tivemos apenas brevets de ciclismo. Estava muito envolvido com a representação do Clube Audax Paris para o Brasil, o que adiou a realização dos primeiros brevets Audax Caminhada e a realização de mais brevets Audax Ciclismo. Afirmo: o que me motivou a assumir a representação ACP foi o meu objetivo de conquistar a Randonneur 5000, e, somente por isto eu consegui as homologações atrasadas em 2009. Depois de assumido a representação eu não poderia perder a oportunidade de organizar o que precisava, mas isto é outra história.
Em 2011 a questão era: ir participar do Paris Brest Paris Audax e Randonneur 2011, ou não?
Na duvida e na possibilidade, fiz tudo para estar apto a ir. A idéia inicial era participar do Paris Brest Paris Audax, evento que nunca um brasileiro participou, mas também porque já havia conquistado o PBP Randonneur em 2007. A intenção também era, depois de pedalar o PBP Audax 2011, pedalar o PBP Randonneur com bike de pinhão fixo, isto é assunto para outro relato. A questão é: se vou para o(s) PBP de ciclismo, preciso treinar, me preparar e organizar os brevets qualificatórios. Organizei os brevets de 400 e 600 em janeiro e fevereiro de 2011. Estava classificado, apto para ir, mas indeciso. Vou, não vou, falta grana, outros investimentos, trabalho, família.... A decisão, um pouco dolorida quando penso na possibilidade de um dia conquistar também o titulo máximo da UAF ( Aguia de Ouro ciclismo) só possível completando um PBP Audax.
A decisão acertada foi a de não ir ao PBP Audax e nem Randonneur.
Sem ir para a França, com um brevet 600 conquistado em 2011, o que veio em mente:
1- Organizar os primeiros brevets Audax Caminhada;
2- Organizar os primeiros brevets Aiglon- Audax Jovens fora da França, já estavam anotados no calendário AUF.
3- Cumprir o que havia prometido a mim mesmo (esta promessa pesa) e também ao presidente da UAF, não ser mais representante ACP para me dedicar mais a família e aos brevets UAF- que não são tantos ( sinceramente, isto os torna mais preciosos).
4- Não organizar mais os brevets Randonneur, até para poder pedalar mais.
Este relato pode parecer egocêntrico, que seja, mas este mundinho dos brevets tomou um tempo grande da minha vida e então estava na hora de fazer um melhor uso. Havia prometido que seria representante ACP até a realização do PBP 2011. E até agosto realizei funções e trabalhos como tal, vou citar alguns exemplos: confecção de camisa Randonneurs Brasil para os ciclistas que foram ao PBP, divulgação de informações a respeito, contatos para reportagens, informações sobre organização..Se voltasse no tempo, faria tudo da mesma maneira que fiz, mas o tempo não volta. Se tivesse que fazer novamente a partir de hoje, simplesmente, não faria! E as caminhadas!
Primeiro brevet Audax Caminhada da América do Sul
http://audaxbresil.blogspot.com/2011/05/primeiro-brevet-audax-caminhada-da.html
Foi um brevet “tudo certinho”, urbano, caminhada de 50 minutos e paradas de 10 minutos, caminhada a 6 km/h. Foi importante para aprender, para abrir a janela do Audax Caminhada, para divulgar a nova modalidade, para fazer treinos divertidos, para conhecer novas pessoas, mas não foi possível saber o que é Audax Caminhada apenas com um brevet de 25 km. A participação do pessoal de Santa Maria deu um brilho especial ao evento
O Tiago Korb me perguntou: o que é Audax Caminhada? (Também me deu opiniões e dicas).
A resposta completa será caminhada nos próximos brevets! Ainda precisava descobrir.
Estava sabendo que se alguém um dia perguntar durante um brevet: quem foi o desgraçado que trouxe este Audax Caminhada para o Brasil? A culpa é provável que seja minha, mas quem sabe possa justificar: se não fosse eu, seria outro.
Caminhei um Audax com a minha esposa e esta foi uma das grandes motivações iniciais.
O brevet de 50 km seria inevitável, que bom, seria preciso treinar. Os treinos para o brevet de 50 km foram muito legais e divertidos.
Aqui abro um intervalo neste relato do brevet de 75 que nem iniciei ainda. As caminhadas me fizeram reviver um pouco do mundo que havia deixado para trás quando fiquei me dedicando aos “Audax” apenas. Sempre pedalei mais por diversão e mais ligado a aventura, realizei passeios por locais desconhecidos, travessias de cânion, caminhadas nos aparados, me dediquei a fotografia, orientação, acampamentos, participei de corridas de aventura etc. Veja algumas reportagens em http://inema.com.br/ff/f006825/
Brevet Audax Caminhada 50 e 25 km km.
Foram brevets bem estudados: usei a possibilidade de realizar dois brevets ao mesmo tempo, percurso com atrações turísticas, pontos de apoio, paisagens muito bonitas, apoio de prefeituras, percurso testado e com mais dificuldades de relevo e terreno, um numero bom de participantes, horários e locais diferentes de largada para os dois brevets, paradas com tempos diferenciados... Foi um bom teste e aprendizado:
- Descobrimos que, quando a caminhada foi em um ritmo acima dos 6 km/h tivemos mais participantes tendo problemas;
- Descobrimos que é importante ter um capitão de rota ditando o ritmo. Evitar o que aconteceu no inicio do brevet de 25 quando os participantes descansados elevaram o ritmo da caminhada que ficou difícil para os caminhantes que já haviam caminhado mais de 30 km.;
-Descobrimos que a maior parte dos participantes do brevet de 50 teve alguma dificuldade;
-As dificuldades para muitos surgiram depois de 30 e 40 km caminhados;
- A maioria dos participantes estava utilizando equipamentos de qualidade contestável para o desafio. Ninguém utilizou bastão de caminhada.
Foi um bom brevet. Em alguns momentos pude avistar 47 pessoas caminhando nas estradas do interior de Santa Cruz do Sul. Quarenta e sete pessoas estavam caminhando no mínimo 25 km. Audax é realizado em grupo, a maior conquista deve ser considerada a soma das distancias realizadas por todos e não cada conquista individual. Nunca tivemos antes por aqui um grupo de tantas pessoas caminhando juntas uma distancia tão grande. Fiquei feliz por ter a oportunidade de caminhar com tanta gente legal, de ter conseguido colocar tantos juntos, mesmo em um dia tão frio (acho que estou conseguindo definir o que é Audax Caminhada!!).
Depois do brevet de 50 pensei em organizar e caminhar o brevet de 100, mas o degrau estava muito grande. Não tive retorno de ninguém interessado em encarar 100 km. O Audax é praticado em grupo e não encontrei significado realizar um brevet que não fosse com este espírito. A opção foi de organizar um brevet de 75 o que já despertou interesse em alguns.
Enquanto isto o Alan da Academia Sadhana de Santa Maria organizou um brevet de 25 km o que foi mais um plus na modalidade em surgimento.
Audax Caminhada 75 km
Seria o primeiro brevet que teríamos que enfrentar a noite e também para fugir do calor do dia, a largada no inicio da noite foi a opção. Pensei no percurso: saindo da UNISC , realizando uma parada maior com possibilidade de alimentação no sitio do meu pai, retornando a Santa Cruz, passagem no salão de festas do condomínio onde resido, percurso para completar a distancia até os 75 km com atrativo turístico e belas paisagens. Pensei em não repetir trecho e evitar muito percurso urbano. Pronto, assim nasceu o percurso do brevet 75 km, a altimetria e as estradas, isto ficou para estudar depois e não foi a prioridade de escolha das opções. Definido o percurso, pensei nas possibilidades de paradas e tempo de cada uma conforme as possíveis necessidades e opções. Defini as opções de alimentação durante o brevet conforme as paradas.
Surgiram alguns candidatos a tentar o brevet 75, todos diziam que não seria possível, mas que a ideia era ir até onde desse. Será que eu era o único que realmente acreditava que seria possível? Estávamos em um grupo com 8 participantes na largada.
A minha esposa iria até o KM 16 e retornaria para casa de carro, na manhã seguiria com o grupo para fazer os 30 km finais durante o dia, assim ela fez, caminhou 46 km.
O mais importante é estar no grupo e gostar de caminhar!
O importante é participar!
Durante a pedalada para vistoria do brevet de 50 eu falei: o brevet Audax Caminhada é na verdade uma grande desculpa para caminhar mais longe e não ficar em casa parado. No audax caminhada as frases acima ficam ainda mais verdadeiras , como já escrevi depois do primeiro brevet: “Sair juntos e chegar juntos é o normal e não representa um esforço imposto pelo regulamento ao participante acostumado a caminhar sozinho.Sem o uso de um veiculo todos são mais iguais. As diferenças são mais genéticas do que monetárias”.(olha mais resposta para o que é Audax Caminhada)
Eu trabalhei até pouco tempo antes do brevet e estava sabendo que o descanso deveria fazer falta.
Largamos e logo o Copetti ficou para trás, o Miguel avisou que ele havia retornado para buscar a chave do carro, mas que deveria nos alcançar logo, e fez isto no inicio da subida para o bairro Jardim Europa. A maior subida logo no inicio do brevet, também havia pensado nisto, não foi tão sofrida, apesar da inclinação considerável, mas chegamos 2 minutos atrasados para a primeira parada. A parada na realidade era para que algum atrasado tivesse tempo de recuperar o grupo, mas serviu para aumentar um pouco o nosso atraso.
Paramos rapidamente para fazer uma foto escura no Fritz e Frida do trevo de acesso a cidade. Seguimos para a linha João Alves, trecho com subidas e descidas, mas com iluminação e asfalto. Recuperamos o tempo antes da parada seguinte, que já foi importante para colocar alguns ossos do esqueleto no lugar e repor água e comer banana. Depois da parada enfrentamos um trecho de estrada de terra com subidas e descidas curtas. Aqui as lanternas já mostraram a utilidade e foi possível perceber que algumas eram bem fraquinhas, mas não tivemos muita dificuldade.
Logo depois chegamos no Km 16 onde realizamos uma outra parada rápida, até aqui estava tudo “ nos conformes” . Logo depois enfrentaríamos o pior trecho do brevet – na teoria- em relação a qualidade da estrada. Uma descida longa e inclinada com muitas pedras soltas. Nos atrasamos alguns minutos e alguns estavam ficando ainda mais atrasados. Fiz o trabalho de capitão de rota e segurei ainda mais para juntar o grupo, o atraso aumentou. Mais um trecho curto de asfalto e novamente estrada de terra sem subidas. A esta altura algumas lanternas com luz fraquinha já estavam mais fracas ainda. As pilhas da minha lanterna pareceram que perderam força e a luminosidade caiu ainda mais. O ultimo km antes do PC-1 foi difícil pois o chão da estrada dificultava a pisada e manter a média de 6 km/h. Senti um pouco de cansaço, exagerado para apenas 30 km, mas não estava 100%.
Chegamos 6 minutos atrasados no PC-1, mas a parada seria longa e com possibilidade de recuperação do tempo. Audax é uma prova de regularidade!
Parada no PC-1
Eu e a Maristela fizemos um molho de carne moída e o Miguel ficou o cozinheiro responsável de fazer a massa neste PC. O Miguel também ficou como culpado pelo “molho de graxain”, o detonador de caminhantes. Chegamos, tiramos os calçados e fomos para a mesa comer massa!!!!! Realizamos uma foto do grupo reunido à mesa. A parada era longa, mas é fácil queimar tempo na madrugada. Largamos com 6 minutos de atraso,e com a barriga cheia!
O trecho retorno na estrada novamente foi difícil, mas difícil do que representava, talvez também devido ao sono. Nos atrasamos, o atraso máximo foi de 16 minutos= 1600 metros, uma eternidade. O percurso mais urbano, não demorou para chegar no asfalto, mas estávamos atrasados e recuperando o tempo perdido. Caminhamos rápido, o percurso até o próximo PC tinha 16 km sem paradas, neste percurso recuperamos 12 minutos do tempo, mas perdemos alguns participantes e outros ficaram com sequelas. O Erasmo, que havia feito cirurgia na perna a poucas semanas, teve dores e chamou um taxi. A Sandra chegou no PC-2, examinou as bolhas e foi caminhando para casa. O Lucio chegou, foi correndo para o WC, foi vitima do molho malvado e desistiu. Eu cheguei e fui correndo para o WC, mas já havia enfrentado situações semelhantes e havia realizado um Pit Stop no caminho. O Claiton com dor no tornozelo, que sentia desde o inicio, mas ele é bem experiente em provas longas de ciclismo, ninguém acreditaria se ele desistisse. O Copetti, sempre de bom humor, se mostrou um grande companheiro nas conversar fiadas da madrugada, sempre pareceu caminhar em um trote com dificuldade, mas é forte e acostumado com as corridas de aventura.
Já tinha a experiência de brevet de ciclismo onde o Clube Audax Paris não recomenda cruzar próximo ao ponto de largada durante um brevet, pois isto é um estimulo psicológico para a desistência. Precisava do ponto de apoio e facilitar a organização do brevet com um bom ponto de parada, com cuca e café, em boa hora.
Estávamos no km 47, o dia chegando, quem saiu para o ultimo trecho do percurso, completou o brevet.
O ultimo trecho do percurso era mais plano e teoricamente mais fácil, mas...
O Copetti seguiu no mesmo trote e geralmente caminhava um pouco mais atrás;
O Claiton com dificuldades e dores, mas suportando e seguindo;
Eu, cada minuto pior e realizando Pit Spot a cada ½ hora. A Cada km mais fraco. Na ultima parada de Pit Stop quase não consegui levantar, estava fraco. Decidi, não parar e foi o que fiz nos últimos 9 km, apesar das dores.Algumas vezes perdia o equilíbrio e a minha esposa dizia, cuida, vai cair. Quase no final ela me diz: “mas tu é um cabeça dura, porque não desiste?”. Eu respondi: isto é um pensamento que anulei, depois de sofrer assim, eu vou completar o brevet!
A Luiza a mais tranquila dos sobreviventes.
O ritmo estava a menos de 6 km/h, não poderíamos ter atraso e perder o brevet. O solução foi reduzir as paradas e seguir em um ritmo mais lento por algum tempo. Cuidar a planilha e o relógio ficou mais importante. Pisar mais difícil.
O tempo horário era às 11:13. O Claiton e Luiza completaram os 75 km chegando no portão da UNISC às 11:02, eu às 11:04 e o Copetti 2 minutos depois. Eu nem parei no portão e fui direto para o WC do campus, mais uns 500 metros de caminhada.
Depois da chegada ficamos algum tempo conversando deitados na sobra de uma arvore. Fomos de carro para o salão de festas do condomínio, onde foi realizada a premiação.
Na hora da foto com as medalhas eu fiquei tonto e não consegui ficar em pé, estava desmaiando. Este foi um dos brevets mais difíceis que já fiz, mas devido aos problemas extras a caminhada.
Antes do brevet de 75 realizamos mais algumas caminhadas treino, todas muito legais, até Rio Pardo, subindo Nove Colônias e outras. Em nenhuma destas caminhadas observamos a média de 6 km/h. Em nenhuma destas caminhadas utilizamos os trechos noturnos em estradas de terra. Em nenhuma das caminhadas enfrentamos 30 km praticamente sem paradas. Estas eram condições que teríamos que enfrentar no brevet de 75 km e que provavelmente foram treinamentos/testes que fizeram falta.
A conclusão, depois da realização do brevet 75, foi que: estes tipos de brevets caminhada mais longos, devem ser realizados em estradas planas e preferencialmente em asfalto, ou com terreno que permita manter o ritmo de caminhada com mais facilidade.Os treinos devem ser longos e na mesma média do brevet, ou seja, 6 km/h
Se alguém pensa que desisti do brevet de 100 km ( ou mais) esta enganado.
Agradeço aos companheiros de caminhada e ao Miguel e a Maristela que estavam nos apoiando.
Agora é trabalhar para tornar o brevet de 100 km caminhada um atrativo para mais alguns aventureiros preparados, ou nem tanto, mas que estejam a fim de vivencia-lo.
Um desafio de regularidade, sem tanta aventura, sem tanta adrenalina, com algum apoio, sem transportar peso, mas que com a repetição dos movimentos e o tempo praticado se torna um desafio grande.
Audax Caminhada é como vinho, pode ser docinho, mas pega!
O meu objetivo escrevendo as dificuldades e lembra-las para a próxima oportunidade e valorizar o esforço realizado por quem participou, completando o brevet, ou não!
Luiz M. Faccin-
Outubro e novembro de 2012
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Um comentário:
É isso aí bróder.
Quem disse que ia ser fácil? Até por que, se fosse fácil, das duas uma: ou todo mundo faria ou não teria graça.
Que venham os cenzinhos...
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